

A verdade é que esta atitude agressiva não é reflexo de preconceitos como nós humanos entendemos. Mesmo que alguns cães pareçam ser mais agressivos e desconfiados com determinados grupos de pessoas, cães não gostam ou deixam de gostar mais ou menos de uma pessoa, seja ela negra, branca ou oriental, por causa de conceitos prévios a respeito de uma possível correlação entre a cor da pele e comportamento "padrão" tal como muitos humanos fazem.
Se um cão discrimina determinado grupo de pessoas é porque uma das três razões abaixo fizeram parte do seu desenvolvimento quando filhote:

Se um cão for criado apenas numa comunidade negra ele (o cão) provavelmente irá estranhar, podendo até demonstrar sinais de agressividade contra brancos. Da mesma forma cães que nunca tiveram contato com crianças, pessoas obesas ou que se utilizem de cadeira de rodas irão estranhar estes grupos.

Embora este sentimento possa ser involuntário e extremamente discreto o cão percebe e reage tentando compensar a insegurança do dono. Este era exatamente o caso do meu Pastor Alemão.


Nestes casos eu imagino que além do cheiro de praia, a algazarra dos meninos, e a maneira que eles andavam pela rua (tentado cobrir um raio suficiente para cercar as pessoas) deflagrava os instintos do meu bicho. Claro que eu não sabia o que eu estava fazendo. Eu não estava tentando ensinar ao meu cachorro a me proteger, mas sempre eu o recompensava, já que me sentia aliviada com a distancia que estas pessoas mantinham de nós. Aliás, era uma dupla recompensa: Uma quando eu acabava acariciando o cão, e outra através das pessoas que se afastavam. Eu e elas estávamos mostrando ao Tiquinho que ele estava fazendo um belíssimo trabalho e que deveria continuar se aperfeiçoando.


As pessoas que tem medo de cachorro acabam dando o sinal de que alguma coisa está errada, mesmo quando o dono e o cão estão tranqüilos.
Foi exatamente isso que aconteceu outro dia quando eu estava treinando um Rottiweiler de 1 ano e 2 meses.
É bastante comum que quando saio para treinar cães grandes como o Rott as pessoas evitem de passar muito perto de nós. Mas num dia em especial eu vinha caminhando calmamente com este belíssimo exemplar da raça, com a coleira totalmente frouxa, já que o cão é totalmente confiável e está quase pronto para andar sem guia, quando dois jovens negros começaram a andar em direção contrária a nossa.
Lá de longe eu já havia percebido que os dois vinham se cutucando e se empurrando e, tal como eu, o cachorro também percebeu.
Desta vez tenho certeza de que não mandei nenhum sinal para o Thor. Eu estava absolutamente calma e de espírito desarmado. Também não poderia enviar nenhum sinal pela guia, já que a mesma estava passando por trás do meu pescoço antes de chegar ao cão (justamente com o propósito de eliminar o vício de corrigir o cão quando estamos preparando o animal para andar fora da guia).

A título de verificar o temperamento do Thor, resolvi manter o meu passo e não interferir na tensão da guia. Quando estávamos quase cruzando com os rapazes o Thor começou a rosnar muito baixinho. Era quase inaudível, na verdade eu podia mais sentir a vibração do corpo dele junto a minha perna do que propriamente ouvir o rosnado dele. Imediatamente reforcei o comando para que ele se mantivesse junto a mim e não toquei na guia. Quando os rapazes estavam paralelos a nós o Thor finalmente colocou os dentes para fora e começou a latir, virando a cabeça para acompanhar os dois rapazes (que nesta hora aceleraram o passo e pararam de se cutucar), porém sem nunca se afastar do meu lado..
Comentário do rapaz que estava sendo empurrado para o amigo que ria histérica e nervosamente. "Viu seu Mané, não falei que estes cachorros não gostam de pretos?!".
Me controlando para não rir do comentário que foi dito num misto de pavor e aborrecimento dignos de comédia, parei, coloquei o Thor na posição deitada e expliquei para os dois que o cachorro não tinha nada contra a cor da pele deles. Que apenas tinha reagido à forma que os dois se aproximaram, que para o cão pareceu diferente, e portanto suspeita. Resposta dos dois: ‘A senhora pode falar o que quiser dona, mas eu é que não chego perto destes cachorros, eles não gostam de pretos e tá acabado!".
Tenho certeza que se esta experiência fosse repetida mais uma dúzia de vezes, e sempre com pessoas de pele escura, o Thor iria começar a ter uma atitude suspeita contra todos os negros, já que ele é criado por uma família branca e não costuma sair muito às ruas.
Bom, a esta altura você pode estar se perguntando: "E se alguém não gosta de judeus? É possível tornar um cachorro anti-semita?" (Se você não se perguntou isso não tem importância, estou só querendo aproveitar para esclarecer a dúvida de um aluno meu). : -)

E afinal de contas, qual é a vantagem de estimular o comportamento anti-social de um cão baseado apenas na aparência das pessoas? Melhor mesmo é manter os cães longe deste comportamento horroroso que alguns humanos desenvolvem.
Mais uma notinha: Este comportamento não é exclusividade de cachorros grandes. Até um poodle pode reagir da mesma maneira, mas as raças desenvolvidas geneticamente com o propósito de guarda são mais sensíveis e mais reativas do que raças de caça ou de companhia. Além disso as pessoas tendem a mostrar mais medo de cachorro grande justamente porque certas raças já possuem a fama de racistas.
Creditos
Texto de :Claudia PizzolattoTreinadora e Especialista em Comportamento CaninoLord Cão - Treinamento de Cães Ltda.
Mark Twain (Escritor)
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